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Pesquisadores brasileiros desenvolvem modelo de cérebro embrionário em passo essencial para o tratamento de epilepsia grave

Pesquisadores brasileiros da UNICAMP, em parceria com a Universidade da Califórnia – San Diego, Estados Unidos, assinam estudo pioneiro à compreensão da origem da displasia cortical focal (DCF), malformação cerebral responsável por crises epilépticas.

Recém-publicado no periódico Brain, –um dos jornais científicos mais importantes na neurologia e neurociência fundado em 1878, sob o título “Junctional instability in neuroepithelium and network hyperexcitability in a focal cortical dysplasia human model”, relata o processo de criação de um modelo de cérebro embrionário (organoide) a partir de células da pele.

Em conclusão, traz perspectivas alvissareiras, à luz da ciência, para a investigação das causas da displasia cortical focal, completamente desconhecidas até hoje, e para a busca de tratamento efetivo.

Fernando Cendes, professor titular do Departamento de Neurologia da UNICAMP e coordenador do Departamento Científico de Epilepsia da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), e Iscia Lopes Cendes, professora titular do Departamento de Medicina Translacional da UNICAMP e membro do Departamento de Neuro-genética da ABN, integram o núcleo de estudiosos da UNICAMP.

Em entrevista exclusiva ao boletim ABNews/Portal abneuro.org.br, eles enfatizam a relevância do trabalho e seu significado para avanços na descoberta de terapias e drogas a assistência a pacientes com displasia cortical focal.

Malformação, DCF

A displasia cortical focal é uma malformação bem específica do sistema nervoso central. Ocorre ainda durante as fases iniciais do desenvolvimento do cérebro no útero. Do ponto de vista visível, estrutural, pode ser considerada discreta e sútil, pois, na maioria das vezes, é difícil de ser detectada em exames de imagem de rotina.

É, enfim, um tipo de malformação no qual os neurônios têm um arranjo alterado do córtex cerebral, além de apresentarem alteração da morfologia e função.

A principal consequência, frisa Fernando Cendes, é a epilepsia:

“As pessoas com essa malformação específica enfrentam uma forma bem grave da doença, de difícil tratamento. Geralmente esses pacientes não respondem às medicações e têm alta frequência de crises. Muitas vezes, faz-se necessária a realização de cirurgias, devido à ausência de drogas eficazes e capazes de controlar os episódios”.

Além de causar epilepsia refratária ao tratamento medicamentoso, a DCF possui a característica de se manifestar muito cedo, em regra, os pacientes são ainda crianças. Suas crises recorrentes, chegando a dezenas ou até a centenas por dia, provocam limitações importantes ao desenvolvimento cognitivo, emocional e sociocultural.

Aliás, a displasia cortical focal é a causa mais frequente de epilepsia grave, sendo um fator de risco de óbitos relacionados às crises epilépticas. É justamente a falta de conhecimento de sua origem e de caminhos de controle que resulta ameaça à vida.

Estudo e avanços

Conforme pondera Iscia Cendes, a proposta do estudo foi decifrar etapas do processo desta malformação. Por exemplo, em que momento do desenvolvimento do cérebro ela se apresenta, quais suas intercorrências e como levam à displasia cortical focal.

“O essencial para nosso grupo, tanto os pesquisadores brasileiros quanto os de San Diego, era sair do escuro que enfrentávamos até há pouco e entender as conexões aberrantes que acabam, com o tempo, gerando distúrbios no cérebro e crises”.

A princípio, houve a seleção de quatro pacientes com DCF e de quatro controles, sem a malformação. Foi, então, feita uma biópsia superficial da pele de cada uma dessa pessoas. A partir daí, tornou-se possível realizar processo chamado de desdiferenciação, que consiste em transformar essas células, já maduras, em células-tronco.

“Quando as temos como células-tronco, podemos visualizar como se diferenciam em relação a outros tipos de célula”, observa Iscia Cendes, que complementa: “Foi exatamente a partir dessas células dos pacientes que cultivamos neurônios em laboratório; um aglomerado de células que conseguiu simular o desenvolvimento do cérebro no período inicial”.

Por não existir um sistema vascular e não ter meios de nutrir o organoide, o modelo de cérebro perdura por cerca de três meses, sendo eficiente, em especial, para estudos da fase inicial da embriogênese.

Fernando Cendes considera que o principal mérito do trabalho é simular muitíssimo bem a lesão que aparece nos pacientes de DFC, tanto no ponto de vista de achados no microscópio quanto das alterações moleculares:

“Também conseguimos registrar que os organoides apresentam descargas elétricas semelhantes ao processo de epilepsia. Assim, é possível observar e estudar os mecanismos que levam à distúrbios da cadeia de desenvolvimento e ainda gerar um modelo potencial para futuros estudos com medicações. Isso é absolutamente relevante em termos de saúde pública, pois até o momento todas as drogas utilizadas para o tratamento de displasia cortical focal são baseadas em protótipos de outros tipos de epilepsia e não surtiram resultado efetivo”.

Conclusões e perspectivas

Em suma, o estudo atingiu a identificação de diversos processos biológicos ocorridos durante a formação do cérebro, aliás, responsáveis pela malformação. Ou seja, já evidenciou mecanismos que bem proximamente auxiliarão no desenvolvimento de medicações e tratamentos.

“Registramos alterações relacionadas à constituição de um fio-guia, que orienta a migração dos neurônios para o local correto. Essa guia mostrou-se anormal, interferindo totalmente na formação do córtex cerebral humano. Enfim, o trabalho tem forte conclusão em relação aos mecanismos que levam à DCF. Outro mérito é ter gerado o modelo que agora pode ser utilizado para testes de triagem de novos remédios. Hoje, como resultado, temos a possibilidade real da promoção de estudos pré-clínicos específicos para a displasia cortical focal, antes algo inimaginável”, contextua Iscia Cendes.

Resumo – Instabilidade juncional no neuroepitélio e hiperexcitabilidade da rede em um modelo humano de displasia cortical focal

A displasia cortical focal (DFC) é uma malformação cortical altamente epileptogênica com poucas opções de tratamento. Aqui geramos organoides corticais humanos de pacientes com DCF tipo II. Usando este modelo humano, imitamos algumas características da DCF, como proliferação celular prejudicada, presença de neurônios dismórficos e células balão e hiperexcitabilidade da rede neuronal. Além disso, observamos alterações nas junções aderentes zônula occludens-1 e particionamento defeituoso 3, redução da polarização do citoesqueleto de actina e menos pontos sinápticos. Organoides corticais de DCF mostraram desregulação da pequena GTPase RHO A, um achado que foi confirmado no tecido cerebral ressecado desses pacientes. Funcionalmente, tanto a atividade elétrica espontânea quanto a evocada optogeneticamente revelou hiperexcitabilidade e conectividade de rede aumentada nos organoides de DFC.

Em conjunto, nossas descobertas sugerem uma instabilidade da zona ventricular na coesão tecidual das células neuroepiteliais, levando a uma parada maturacional de progenitores ou neurônios recém-nascidos, o que pode predispor à imaturidade celular e funcional e comprometer a formação de redes neurais na DCF.

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