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Desafios da residência médica em Neurologia

O Brasil possui 6.776 registros de especialistas em Neurologia, segundo números da Demografia Médica 2023, produzida pela Associação Médica Brasileira em parceria com a Faculdade de Medicina da USP. São profissionais oriundos de formações bastante diversas; afinal, em um país de dimensões continentais, com 26 estados mais o Distrito Federal, é natural que cada região tenha conquistas e desafios próprios.

De forma geral, em todas elas, a formação de novos médicos enfrenta barreiras, como a falta de estrutura adequada para ensino, a alta demanda de pacientes e a escassez de leitos de UTI especializados. O presidente da ABN, Carlos Roberto M. Rieder, chama atenção para a distribuição inadequada, a carência de centros com tecnologia ideal para a assistência e reafirma que a residência para a especialidade deve ter quatro anos, possibilitando o aprendizado de todo o conteúdo da neurologia.

No entanto, é dominante o sentimento de que também há vitórias importantes, tais quais a qualificação dos profissionais responsáveis pela formação dos residentes e o desenvolvimento de pesquisas na área.

Pensando nas assimetrias que existem hoje no cenário nacional, conversamos com neurologistas do Amazonas, do Ceará e do Paraná. Revela-se aqui uma fotografia com o desenvolvimento, as limitações e as peculiaridades da residência médica em Neurologia no Brasil.

DISTÂNCIAS E ESFORÇOS

Supervisora da residência em Neurologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas, hospital-escola da Universidade Federal do Amazonas, Nise Alessandra Sousa relata que o isolamento geográfico é um dos obstáculos enfrentados no estado. “Para sair daqui, tem que ser de avião. Ao contrário do Pará, por exemplo, ficamos mais longe de tudo. Isso dificulta a realização de estágios em lugares como São Paulo.”

Para a dra. Nise, há uma grande carência no interior do Amazonas: “Os profissionais formados acabam se concentrando na capital. Nossa população interiorana precisa de mais neurologistas, principalmente a de cidades distantes, onde nem sempre há materiais, hospitais. Todos vêm para cá”.

Ela relata que a residência do Getúlio Vargas existe desde 2011. Inicialmente, nos dois primeiros ciclos, eram quatro preceptores e apenas um residente por ano. Depois, dois. “Hoje, graças ao aumento da quantidade de concursos, eles são orientados por seis preceptores, incluindo dois voluntários, mas o número ainda é baixo. Portanto, nosso grande problema é a contratação de novos profissionais. Isso nos leva a depender de voluntários, de pessoas que se formam na universidade e voltam, sentindo-se gratas, procurando uma forma de contribuir com a instituição. Eu sou uma delas. Fazemos o que estiver ao nosso alcance para oferecer aos residentes tudo aquilo de que precisam durante sua formação”.

Outra reivindicação da dra. Nise diz respeito ao orçamento parco. “Por ser um hospital universitário federal, o Getúlio Vargas vive com um orçamento apertado para a saúde, para a educação. Acabamos buscando parcerias com hospitais e clínicas particulares. Os residentes que vêem os esforços de seus preceptores sentem-se inspirados e se saem muito bem. Eles conhecem nossa realidade, sabem que precisam correr atrás. Quando terminam a residência, passam na prova de título, passam no R4 em bons lugares. Juntos, tentamos vencer todas as dificuldades.”

Segundo a neurologista, também faz falta uma pós-graduação forte, capaz de levar mais recursos para o hospital. Ela cita o exemplo da Unifesp, que, a despeito das tribulações econômicas, consegue arrecadar dinheiro através dos projetos de pesquisa.

FORMAÇÃO ABRANGENTE

Coordenada pelo professor Norberto Frota, a residência médica em Neurologia do Hospital Geral de Fortaleza é hoje um dos maiores programas do país. As oito vagas anuais disponíveis para residentes fazem com que se destaque na região Nordeste.

“É um programa já bem consolidado, que existe desde 2002 e oferta essa quantidade de vagas há cerca de seis anos”, celebra Norberto. “E uma vez que há aqui mais de um programa de residência, que é algo que também acontece em Pernambuco e na Bahia, conseguimos estabelecer parcerias, como a que temos com o Hospital Universitário Walter Cantídio, da Universidade Federal do Ceará. Nossos residentes fazem alguns rodízios lá, e os residentes do Walter Cantídio vêm ao HGF para atuar na emergência. Junto com o tratamento de AVC, a emergência é um dos nossos destaques.”

O programa tem recebido médicos de outros estados. “São de locais como Piauí e Maranhão, que não possuem residência em Neurologia. Eles estudam no Ceará e depois voltam. Conseguimos fazer isso sem ficar sobrecarregados, porque temos um grande volume de serviços: 24 leitos de enfermaria, 20 leitos de unidades de AVC, mais 14 leitos de AVC hemorrágico e um pronto-socorro que tem, em médica, de 15 a 20 pacientes internados.”

A perspectiva também é animadora para os preceptores. Segundo o neurologista, pouco a pouco eles se tornam mais valorizados no Ceará. A Escola de Saúde Pública, que rege as residências médicas nos hospitais do estado, elaborou um programa de valorização da preceptoria. “A cada oito residentes, acontece um processo seletivo que seleciona um preceptor para receber uma bolsa. É pouco, mas é um avanço, um ‘plus’”.

Norberto não traz queixas quanto ao número de preceptores, já que os residentes são sempre assistidos. Informa que no HGF, graças à emergência, há três neurologistas todo o dia.

“Os grandes desafios, agora, são crescer em subáreas, como a neuroftalmologia e a otoneuro, e adaptar nosso currículo. Queremos sair da avaliação apenas teórica para avaliar também competências.”

Para ele, sabendo que cada formação tem particularidades, é difícil falar sobre equilíbrio de todas as residências em Neurologia ao redor do país.

“No HGF há um peso forte de emergências neurológicas, mas não tão forte de neurofisiologia, por exemplo. Por isso, fazemos parceria com o Walter Cantídio – nossos residentes rodam lá, e os residentes de lá rodam aqui.”

“Alguns programas têm uma natureza mais eletiva, outros, mais emergencial. Não são iguais. O que precisa existir sempre, em todos eles, é a entrega de resultados, que são as competências que a Academia Brasileira de Neurologia coloca na sua matriz. Deve haver fiscalização da ABN.”

Há pelo menos três anos, o programa de residência do HGF vem oferecendo um ano adicional em neurologia geral. Nele, neuropediatria e neuropsiquiatria são algumas das áreas aprofundadas. Dos oito residentes, três são selecionados para o período extra.

“Pela quantidade de novas informações, novas pesquisas, um ano a mais é fundamental. Mas sabemos que esse é o panorama do Ceará. Estados vizinhos ou um pouco mais distantes, como Sergipe ou Alagoas, vivem realidades muito diferentes. Imaginemos um programa com duas vagas de residência – fica mais difícil estabelecer o quarto ano.

VALORIZAÇÃO E TEMPO

O preceptor do Programa de Residência Médica em Neurologia do Complexo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, Marcos Lange, diz que um dos gargalos no Sul está na estrutura que os serviços oferecem.

“Poucos deles oferecem a oportunidade para o residente desenvolver todas as competências necessárias na formação em Neurologia. Um caminho possível seria criar um convênio, uma parceria entre os serviços, permitindo que o residente possa transitar entre eles e se aprofundar nas grandes áreas da Neurologia. Tivemos um avanço da especialidade nas últimas décadas quanto a diagnóstico e tratamento, portanto, é essencial que o residente experiencie uma formação completa e atualizada.”

A situação dos preceptores também merece atenção especial, destaca Marcos Lange, que alerta para a subvalorização dos profissionais. “O preceptor forma médicos especialistas, que estão no topo da sua instrução. Precisa de um bom planejamento de carreira, assim como outros profissionais na área acadêmica.”

Ainda de acordo com ele, a ampliação do tempo de formação em Neurologia geral faria grande diferença. “Hoje até existe um tempo adicional, mas é muito voltado para subespecialidades. Isso faz com que o neurologista termine sua residência, siga o rumo de uma subespecialidade e acabe restringindo o acesso dos pacientes. Aliás, isso prejudica o vínculo médico-paciente, que deve sempre ser otimizado.”

Outros pontos trazidos ao debate são o processo e a estrutura para a qualificação daqueles que adentrarão a especialidade. “Sabemos que há programas de residência com dois, três preceptores fazendo toda a formação neurológica. Mas o conhecimento hoje é muito amplo. Os residentes precisam também desenvolver as soft skills, todas as habilidades que a carreira atualmente exige”, arremata.

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